Manfred Max-Neef defende uma economia a serviço da sociedade

Max-Neef falou sobre a atuação dos líderes na escala do desenvolvimento humano e propôs um desafio que põe abaixo o modelo tradicional de valorização da liderança voltado para o aumento do faturamento das empresas.

Aos 70 anos, o economista e ambientalista Manfred Max-Neef bem que poderia se acomodar no cargo de professor da Universidade Austral do Chile, mas quem já teve pelo menos um breve contato com esse polêmico e inovador pensador latino-americano sabe que isso seria impossível. Inquieto e determinado a sempre dizer o que pensa, Max-Neef viaja pelo mundo divulgando sua crença de que a economia tem de estar a serviço da sociedade, e não o contrário. Seu mais novo trabalho foi lançado no dia 20 de março de 2007, na Alemanha. Ele e outros 49 pesquisadores formaram o World Future Council (WFC), organização que pensa em como será o mundo pautado pelas questões socioambientais, e produziram um livro coletivo. A obra, intitulada O futuro é possível: saídas do caos climático, ainda não tem data para chegar ao Brasil. O País, no entanto, teve a oportunidade de conhecer Max-Neef pessoalmente durante sua passagem de três dias por São Paulo, como palestrante principal do 15º Seminário Internacional Em Busca da Excelência. 

No evento, ele falou sobre a atuação dos líderes na escala do desenvolvimento humano e propôs um desafio que põe abaixo o modelo tradicional de valorização da liderança voltado para o aumento do faturamento das empresas. Max-Neef não acredita em crescimento, mas em desenvolvimento e já explicou isso na  Teoria da Economia Descalça e na Tese do Umbral, suas mais importantes e conhecidas formulações teóricas. Para ele, lucratividade sem foco nas pessoas não se sustenta. 

Leia abaixo o que Max-Neef não teve tempo de dizer durante a plenária.

Revista FNQ — Que características são indispensáveis para a liderança no século 21? Como deve ser um líder com pensamento sistêmico e compromisso com o desenvolvimento sustentável?

Manfred Max-Neef — Em primeiro lugar, ele tem de ter consciência dos problemas e da realidade do nosso tempo. Isso de forma ampla e geral, o que é um desafio, pois, em aspectos como política e ciências sociais, ainda estamos com os pés no século 19. O líder do século 21 precisa dar um grande salto mental, já que enfrentamos hoje uma situação sem precedentes. O líder deve ter consciência e conhecimento em áreas muito diversas, pois todas as suas decisões têm  de ser pautadas em múltiplos aspectos, principalmente naqueles que envolvem os temas ambientais. Diante do drama que vivemos hoje, toda e qualquer empresa precisa trabalhar de forma que diminua os impactos negativos no ambiente.  Não dá para fugir dessa responsabilidade.

Se o senhor  tivesse o poder de mudar o quadro atual em que vivemos, com tantos problemas emergenciais simultâneos, quase sempre complexos e de soluções custosas e complicadas,  qual seria a sua primeira atitude?

Minha primeira providência seria estabelecer no mundo inteiro os conceitos de solidariedade e cooperação. De nada adiantam métodos, sistemas e projetos se não houver essa mudança real de sentimento. Ao serem imbuídas verdadeiramente desse espírito, as pessoas conseguem redescobrir os pontos fundamentais das relações humanas, que são o afeto e o amor. Sem isso não há projeto, por melhor que seja, que sobreviva em longo prazo.

Ao tratar da necessidade de a economia servir à sociedade, e não o contrário, o senhor cita “A riqueza das nações”, de Adam Smith, quando o pensador fala sobre uma “mão invisível” que direcionaria o desenvolvimento  econômico baseado em  equilíbrio de forças, produtos de qualidade, preços e salários justos. Apesar de criticar a obra por ter uma menção tão pequena a  essas relações, o senhor também critica os economistas por não a levarem em conta. Com isso, podemos entender que a linha de pensamento atual, em que as questões sociais devem permear a economia não é algo novo, mas tem suas raízes nos primórdios da teoria econômica?

Claro que sim. Não se trata de repetir, mas de buscar inspiração. Falta informação, muitos economistas não leram Adam Smith. Citam-no, mas não o leram de verdade. 
Em primeiro lugar temos de lembrar que  os economistas clássicos eram todos filósofos morais. Para eles a economia era orientada para o bem comum, para a felicidade humana. Essa visão mudou quando surgiu o pensamento neoclássico, no fim do século 19. Nesse momento, aconteceu uma coisa curiosa: a economia deixa de ser filosófica e se torna extremamente matemática, movida por números. Quanto mais matemático, mais científico era  considerado o pensamento na época. O resultado do então novo olhar é que se construiu uma economia que pauta a realidade, e não o contrário. Produziu-se uma economia em que só existe o que pode ser transformado em números. Com isso, os economistas neoclássicos ficam sem saber o que fazer com as necessidades humanas, então as descartam. Passam a ignorá-las e orientar-se pelas preferências, por medir a sociedade pelo que se compra no supermercado. Esse modelo permite muitos cálculos e números, só que está totalmente fora da realidade. E o neoliberalismo, tão enaltecido no fim do século 20, nada mais é do que filho dessa economia neoclássica, totalmente descolada da realidade.

O senhor afirma que há cerca de 30 anos fazia parte de um grupo que considerava os empresários os vilões da história. Hoje diz acreditar que eles são bem mais merecedores de credibilidade que os políticos. Sendo assim, por que o senhor se candidatou à presidência do Chile na década de 1990 (Max-Neef foi candidato independente à presidência do país em 1993 e, mesmo sem estrutura partidária, conquistou 5,5% dos votos)?

Essa visão mudou quando eu comecei a dialogar com os empresários. Percebi que, pelo próprio dinamismo do mundo corporativo, esses homens eram  bem mais passíveis de mudanças que  os políticos, desde que se tenham argumentos concretos para a discussão. Já com os políticos é diferente, porque eles estão no comando por um mandato com período determinado, então não pensam em longo prazo, tendem a usufruir ao máximo o que alguns anos no poder podem lhe oferecer.
Mesmo assim, como você disse, eu me candidatei à presidência do Chile. Fiz isso mais com o intuito de provocar do que de ganhar. Eu deixei bem claro na época que não tinha interesse em assumir o cargo. Minha candidatura tinha como único objetivo: trazer à tona e incluir nos debates assuntos – principalmente os ligados às questões sociais – que não faziam parte da discussão política. Eu  fui o candidato dos temas ausentes.

Patrocinadores dessa edição
Saiba como patrocinar Patrocinadores21
Loading
Comentários
Para escrever comentários, faça seu login ou conecte-se pelo Facebook ou Linkedin
Carregando... Loading
Carregando... Loading