Liderança servidora exige disciplina e respeito

Para Hunter, o principal segredo é tentar. É sair do campo das idéias e colocar em prática pensamentos ligados ao bem coletivo.

O consultor James Hunter alega que, ao escrever sua primeira obra de sucesso, O monge e o executivo,  apenas “colocou no papel” seus sentimentos misturados à experiência em recursos humanos com um único objetivo: deixar suas idéias registradas para seus filhos e amigos. Foi uma surpresa para ele o livro ter se tornado um best seller internacional, inclusive entre aqueles que não são profissionais da área. No Brasil, o título está há mais de 150 semanas na lista dos mais vendidos da revista Veja.

Além do retorno financeiro, Hunter mudou de vida com o sucesso de vendas: até então, ia da uma empresa para outra dar consultoria em RH. Hoje, faz palestras nos quatro cantos do mundo. Só nos últimos dois anos, veio ao Brasil 17 vezes. Em uma segunda obra Como se tornar um líder servidor, seu conceito de “líder servidor” ganhou um discurso mais pragmático, em que ele dá a receita para colocar sua teoria em prática. 

Quem não leu seus livros pode  até pensar que o “líder servidor” é um profissional caridoso, sem visão do negócio. Pelo contrário. É simplesmente alguém que encontrou uma nova forma de fazer sua empresa crescer: por meio do modelo coletivo. Ele trabalha com base no pensamento sistêmico, tem uma forte visão de futuro e sabe, ao mesmo tempo, ter um alto nível de exigência e ser motivador, inspirador de suas equipes. É o líder que consegue comprometimento de seus colaboradores. O mais importante é que essa figura não está centrada no CEO ou na alta direção: pode ser qualquer profissional responsável pelo trabalho de outro, seja na portaria, na fábrica ou na alta direção. 

Para Hunter, o principal segredo é tentar. É sair do campo das idéias e colocar em prática pensamentos ligados ao bem coletivo. Diferentemente da visão assistencialista, o bem coletivo de Hunter abrange tanto o indivíduo quanto a empresa. E que para isso funcione cada um tem de fazer a sua parte com muito esforço, disciplina e responsabilidade.  O escritor esteve no Brasil no dia 30 de novembro para inaugurar o Centro de Treinamento da Thyssenkrupp Brasil, empresa-membro da FNQ. Na ocasião, concedeu a entrevista abaixo para a FNQ em Revista: 

O senhor diz que um líder servidor deve fornecer às pessoas aquilo de que elas precisam e não o que elas querem. Só que, ao serem questionadas, elas costumam dizem o que querem, até porque às vezes nem sabem do que precisam. Como saber, então, do que sua equipe precisa sem exercer um certo poder autoritário sobre elas? 

Há uma grande diferença entre precisar e querer. Para mim, aquilo que se quer está ligado ao desejo. E o desejo costuma ser inconseqüente, esse é o seu principal problema. Por isso, o líder tem de ter visão sistêmica em relação à sua equipe e ao ambiente em que ela está inserida. O foco do líder é futuro. Ele deve, a partir do que ouve e do que observa, conseguir perceber do que essas pessoas precisam para chegar aonde elas querem. Isso significa ter, além da visão do negócio, alguns requisitos psicológicos. Entre esses requisitos estão o respeito pelo seu interlocutor, a admiração por aquele funcionário e a humildade de saber que, apesar de ocupar um cargo superior, ele pode não estar certo todas as vezes — e isso não vai fazer com que ele perca seu cargo ou a admiração que conquistou. O líder tem ainda de aprender a ouvir, a ouvir de verdade, sem a idéia pré-concebida de rebater o que o outro fala. Só assim é possível perceber de que seu interlocutor precisa quando o mesmo diz o que ele quer. Mas para ouvir ele deve aprender a perguntar. E, acima de tudo, tem de colocar a mão na massa, pôr em prática seu discurso. 

O senhor costuma citar casos de gerentes de longa carreira, chefes que trabalham com modelos rígidos e verticais, que falham ao tentar se tornar líderes servidores. É possível, diante dos novos paradigmas da gestão, manter a postura tradicional com sucesso? 

Sim, eu conheço muitos gerentes que exercem seu cargo com relativo sucesso e resultados razoáveis e que vão continuar assim pelo resto de suas vidas. Jamais serão líderes.  Eles sabem tecnicamente como produzir, mas não sabem liderar pessoas. Gerenciar é o que você faz. Liderar é o que você é. Gerenciar tem a ver com acertar os procedimentos técnicos. Liderar está relacionado a mais do que isso. É trazer comprometimento, inovação, conseguir dar e receber o máximo das pessoas, mas de maneira equilibrada, com resultados equivalentes tanto para as pessoas individualmente quanto para as empresas. 

O senhor diz que é mais fácil ser chefe do que ser líder. E que ser chefe traz resultados positivos, pelo menos em curto prazo. Então por que se preocupar em ser um líder, já que esse processo dá trabalho e os resultados da liderança são, em boa parte, intangíveis?

Certamente é mais fácil ser chefe do que ser líder. E bem menos compensador também. Se ser chefe não trouxesse resultados, esse personagem já estaria extinto. Mas dizer que tais resultados são satisfatórios ou que o gerente tradicional é um profissional de sucesso depende muito do que a pessoa define como sucesso, qual o grau de satisfação própria e do todo que ele quer atingir. Líderes têm organizações competitivas, enquanto gerentes convencionais têm apenas resultados técnicos.

Temos de lembrar também que ninguém vai passar de chefe a líder por imposição. É preciso querer e, principalmente, tentar. Mesmo que a pessoa ache que não tem muito jeito. Ela vai experimentando e se aprimorando com o tempo. É um trabalho de longo prazo, mas que só existe se colocado em prática, mesmo que um pouco de cada vez. Uma pequena atitude um dia, outra no outro e assim por diante até se tornar um hábito, uma postura constante. 

Em seus livros, apesar de admitir o resultado técnico do gerente convencional, o senhor relaciona a figura do líder com uma pessoa de caráter, o que já não está ligado ao chefe tradicional. Isso significa que o gerente convencional é uma pessoa em quem não se pode confiar?

A chave para bons negócios são os relacionamentos, sejam eles com clientes, com fornecedores, com empregados, com a sociedade, com quem quer que seja. São eles que fazem os bons negócios. Claro que devem ser acompanhados de bons produtos e serviços, mas isso é o mínimo que uma organização pode fazer. O relacionamento é o diferencial que torna a empresa competitiva. E, como eu já disse, gerentes fazem bons produtos. Já os líderes fazem mais que isso: também mantém bons relacionamentos. E o segredo de um bom relacionamento é a confiança mútua. Costuma-se confiar bem mais nos líderes do que nos gerentes.

Onde está a fronteira entre ser um líder servidor e um administrador permissivo, complacente demais, sem controle de sua equipe?

Para falar sobre isso temos de recuar um pouco. O problema está lá atrás, no significado da palavra amor. Não falo aqui da conotação romântica do termo, mas na sua conotação universal. Amar alguém (e é amor o que um líder servidor deve sentir por sua equipe) não é ser permissivo e complacente em excesso. Isso prejudica as pessoas e as relações. Amar implica disciplina e responsabilidade mútuas. Eu amo meus filhos. Se por um lado eu os ouço e os compreendo, por outro exijo deles disciplina e responsabilidade, mesmo que eles reclamem. Aí voltamos à questão inicial de perceber a diferença entre algo de que as pessoas precisam para crescer e aquilo que elas querem. Assim também deve ser com as equipes. Afinal, amor sem disciplina e responsabilidade não é amor e não faz bem.

Patrocinadores dessa edição
Saiba como patrocinar Patrocinadores21
Loading
Comentários
Para escrever comentários, faça seu login ou conecte-se pelo Facebook ou Linkedin
Carregando... Loading
Carregando... Loading