A transformação do setor sucroalcooleiro em sucroenergético

As exportações, que giravam em torno de um milhão de toneladas de açúcar por ano, atingem hoje o volume de 18 milhões.

No início da década de 90, o setor sucroalcooleiro brasileiro, tradicionalmente caracterizado pela gestão familiar, iniciou um movimento de profissionalização e consolidação, que surge como uma resposta ao processo de desregulamentação da atividade. O setor, que até então sofria forte intervenção do Estado, principalmente por meio do Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), passou a enfrentar uma situação fortemente norteada pela competitividade, que buscava ganhos de eficiência e escalas de produção. 

As exportações, que giravam em torno de um milhão de toneladas de açúcar por ano, atingem hoje o volume de 18 milhões, numa “arrancada” que, em grande medida, se deu em função do ambiente estrutural de abertura à livre concorrência.  Grande parte dessas mudanças aconteceu em pouco mais de uma década, coincidindo com o início das atividades da União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica), que surgiu a partir de uma fusão de duas entidades representativas do setor, de acordo com Eduardo Leão de Sousa, Diretor Executivo da entidade. 

“Na realidade, o setor tem sofrido importantes mudanças já há mais de 30 anos, desde o primeiro choque do petróleo”, disse Sousa, destacando três importantes marcos para essa transição. “O Programa do Proálcool, concebido no final da década de 70, e que visava o incentivo do consumo do etanol; a desregulamentação do setor, que forçou ganhos de competitividade por meio da transformação tecnológica e de gestão empresarial; e o advento dos automóveis flex e a bioeletricidade, incorporados pelo setor, e que alterou substancialmente a distribuição das receitas e as estratégias operacionais da atividade.” 

Desafios e prioridades

O executivo afirmou que o maior desafio a ser superado pelo setor sucroenergético reside numa clara definição da demanda nos mercados nacional e internacional. “No mercado interno, o setor governamental precisa definir uma matriz energética que sinalize qual deverá ser a participação dos combustíveis renováveis dentro da matriz, enquanto no mercado internacional ainda enfrentamos todo o tipo de barreiras tarifárias e não-tarifárias. Essas definições condicionarão o nível e a velocidade dos investimentos na produção de etanol, não somente no Brasil, mas também nos mais de 100 países na região dos trópicos onde é possível produzir cana-de-açúcar de maneira sustentável e competitiva”, explicou Sousa. 

De acordo com o diretor, há algumas prioridades para o futuro do setor. Uma delas é garantir que o etanol se torne efetivamente uma commodity global, produzido e consumido em diversos países do mundo, e sem barreiras, como é o caso do petróleo comercializado livremente por todos os países. A segunda prioridade é a questão da competitividade, que deve ser permanentemente aprimorada para continuar a gerar ganhos de eficiência. O Brasil já vem aplicando recursos substanciais em pesquisa tecnológica, sob diversas formas que vão desde a produção de etanol celulósico (também chamado de etanol de segunda geração) até o desenvolvimento de tecnologias para produção de bioplásticos e bioquerosene.

"Além disso, há pesquisas para diversos outros usos do etanol, como em motocicletas, ônibus e aviões”, disse o executivo.  Ele lembrou que já há um programa piloto em São Paulo testando ônibus a diesel, que rodam movidos por uma mistura de 95% de etanol e 5% de um aditivo desenvolvido por uma empresa sueca.  E a terceira prioridade é a questão da sustentabilidade. A Unica tem desenvolvido vários mecanismos que incentivam práticas socioambientais. “Fizemos um convênio com a Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo que, entre outras práticas ambientais, visa a antecipar o fim da queima da cana. Isto tem gerado um impacto muito positivo nas regiões com grande concentração de cana-de-açúcar”.

A Unica tem também uma série de iniciativas voltadas para o aprimoramento da gestão de pessoas e saúde dos trabalhadores rurais. “Uma das ações mais importantes é um protocolo que a entidade firmou com a Federação dos Trabalhadores Rurais do Estado de São Paulo, no qual identificamos uma série de iniciativas para melhorar as relações do trabalho, principalmente no que se refere ao corte de cana”, afirmou Sousa.

No protocolo existem quatro pontos principais que, segundo o diretor, têm avançado consideravelmente: terceirização da mão-de-obra, transporte do trabalhador, contratação de migrantes e transparência nos mecanismos de remuneração. “No caso do primeiro ponto, a terceirização da mão-de-obra, a prática foi praticamente extinta em todas as associadas da Unica. Tratava-se da contratação de uma pessoa – popularmente conhecida como ‘gato’– para subcontratar trabalhadores, uma das formas que podem tornar as  relações de trabalho precárias”, explicou o executivo, ressaltando que os  demais pontos ainda vêm sendo discutidos com a Federação.

Rumo ao desenvolvimento sustentável

O setor tem procurado identificar e mensurar as ações de responsabilidade social corporativas, o que permitirá um acompanhamento da evolução dessas práticas ao longo dos próximos anos, além de comparar o seu desempenho com os demais setores da economia. “Somos a primeira associação a ter o relatório do GRI – Global Reporting Initiative . Nele identificamos cerca de 600 iniciativas de responsabilidade sócioambientais corporativas desenvolvidas pelas nossas 117 associadas.” 

Dentre essas, há mais de 150 ações envolvendo iniciativas diretas de treinamento e requalificação dos trabalhadores nas áreas agrícola e industrial, incluindo programas de formação de jovens e alfabetização. “É um conjunto de iniciativas importantes que ilustra a responsabilidade corporativa na área sócioambiental das usinas do Estado de São Paulo”, disse o diretor.

Comunicação é a alma do negócio

Para Sousa, um dos grandes problemas do setor é a desinformação. “Além de melhorar continuamente as práticas é preciso também comunicar de maneira adequada e técnica os benefícios que o setor pode trazer ao meio ambiente, aumento da segurança energética no mundo, desenvolvimento rural e para a democratização da energia”. Com o auxílio de agências de comunicação no Brasil e no exterior, a Unica estabeleceu uma série de ações que visa contribuir para a promoção do etanol combustível brasileiro no exterior. “A primeira medida da nova gestão foi abrir escritórios no exterior. Temos um em Washington, outro em Bruxelas e estamos em processo para abrir um terceiro na Ásia, possivelmente em Pequim, na China”, afirmou Sousa. 

O objetivo é melhorar a imagem do etanol frente aos formadores de opinião nesses mercados potencialmente consumidores e atingir os formuladores de políticas. “A questão dos biocombustíveis só funciona se houver algumas formulações de ordem pública, como, por exemplo, a obrigatoriedade da mistura. Não é um mercado que nasce espontaneamente. Precisamos incentivá-lo e isso só pode ser feito se os governos perceberem corretamente os benefícios socioambientais dos biocombustíveis, principalmente do etanol de cana-de-açúcar.”

O diretor salientou ainda que a entidade tem participado de feiras, exibições, seminários e fóruns de debates internacionais com o intuito de esclarecer as práticas relacionadas a questões ambientais. 

Tania Scaglioni e Tatiana Assumpção

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