Ética e mudança do clima

Na ausência de políticas nacionais para a redução de emissões, prefeituras e Estados assumem a liderança.

A London School of Economics é a mais importante escola de Economia da Inglaterra e boa parte de sua reputação se deve a lorde John Maynard Keynes, que foi seu diretor na década de 1930. Ele foi o formulador do que se chama hoje de “keynesianismo”, que são políticas públicas que aumentam o papel do Estado (e investimentos maciços do governo) para salvar a economia de mercado em períodos de crise.
O presidente Franklin Delano Roosevelt, nos Estados Unidos, adotou essas ideias para salvar o seu país da Grande Depressão de 1929, e elas estão sendo adotadas de novo, hoje, para enfrentar a crise mundial que estamos atravessando.

Um dos diretores mais conhecidos entre os que sucederam a lorde Keynes na London School of Economics é Anthony Giddens, que acaba de publicar um livro intitulado A Política da Mudança Climática, no qual sugere caminhos para resolver o impasse atual, em que se fala muito sobre os perigos das mudanças climáticas, mas muito pouco se faz para evitá-los. A bem da verdade, Anthony Giddens não é lorde Keynes, talvez não se façam mais diretores como antigamente, e o seu livro realmente aumenta as dúvidas que existem sobre o assunto, sem propor soluções concretas. Além disso, sua reputação foi comprometida por um dos seus últimos livros, sobre a história da guerra fria entre Estados Unidos e União Soviética, que não foi bem recebido - ele apresentou os Estados Unidos como vencedores da guerra fria, do que discordam muitos historiadores.

De qualquer forma, as opiniões de Giddens são interessantes porque, provavelmente, representam o que a fina-flor dos economistas pensa sobre mudanças climáticas e aquecimento global, o que pode ajudar a sensibilizar os governos a se moverem. Seria, talvez, mal comparando, como se Delfim Netto escrevesse um artigo sobre os perigos do aquecimento global. Na opinião de Giddens, o debate sobre mudanças climáticas não deve ficar nas mãos apenas do movimento ambientalista, cuja vocação é a de não interferir muito na natureza, isto é, “conservacionista” na sua essência - isso poderia ser possível há 200 anos, antes da revolução industrial, mas não é mais. Ele propõe, então, que se procurem soluções tecnológicas para a crise atual e parece ter certa preferência por uma estratégia de adaptação às novas realidades de um planeta com temperaturas mais elevadas, por meio de melhores práticas agrícolas em países como o Brasil.

Giddens também propõe que os países industrializados arquem com 95% do fardo de combater as emissões de gases de efeito estufa pelos próximos 10, 15, 20 anos, até reduzi-las, uma vez que não seria moralmente correto exigir que os países em desenvolvimento arquem com esse custo. O uso de argumentos de natureza ética neste caso nos parece particularmente inadequado, porque, do ponto de vista da atmosfera, o que importa é a quantidade de gases nela lançada, independentemente de sua origem geográfica e de quem os emite, ricos ou pobres. O fato é que, hoje, 50% das emissões se originam em países em desenvolvimento. Mesmo que os países industrializados reduzissem a zero suas emissões, o problema não seria resolvido. O principal destes emissores é a China, que emite tanto quanto os Estados Unidos. Tecnologia e economia é que resolverão o problema.

Um dos caminhos, portanto, é o de reduzir as emissões em países em desenvolvimento, onde é mais fácil e barato fazê-lo, e daí a proposta de Giddens da necessidade de acordos bilaterais entre os Estados Unidos e a China. Um desses acordos seria a transferência de tecnologia e equipamentos para modernizar o parque industrial e energético da China, de modo a “saltar etapas” no seu processo de crescimento econômico e desenvolvimento. Os Estados Unidos, é claro, beneficiar-se-iam com a venda desses equipamentos. Exemplo dessa transferência seria modernizar as usinas chinesas que produzem eletricidade com carvão, que são muito ineficientes. A modernização as tornaria mais eficientes e menos poluidoras.

Outra opção seria aplicar impostos adicionais sobre combustíveis fósseis para desencorajar seu uso, ou fixar tetos, isto é, limites para a emissão de poluentes que aquecem a atmosfera, como foi feito no passado, com sucesso, com emissões de enxofre nos Estados Unidos. O caminho de adotar impostos encontra resistência em muitos países, inclusive no Brasil, onde a carga tributária já é elevadíssima. Além disso, seria preciso que todos os países os adotassem ao mesmo tempo, o que exigiria um amplo acordo internacional, pois os impostos teriam de ser muito elevados para se tornarem eficazes. Só para dar um exemplo, o aumento do preço do barril de petróleo de US$ 40 para US$ 150, que seria equivalente a um imposto de 275%, não levou à redução de seu uso. 

Mais realista parece a segunda opção, a de fixar um teto para as emissões, e deixar que o mercado se encarregue de favorecer os que conseguirem reduzi-las, os quais poderiam vender aos menos eficientes “certificados de emissão de carbono”. Esta estratégia é, no fundo, um “esporão” que estimula o uso de tecnologias limpas - e os Estados Unidos estão agora seguindo esse caminho. A União Europeia já adotou esse sistema, mas contribui com menos de 15% para as emissões globais. Muitos Estados americanos e muitas cidades, como Londres e São Paulo - a primeira com iniciativas desse tipo no mundo em desenvolvimento -, estão adotando essa estratégia. Na ausência de políticas nacionais para a redução de emissões, prefeituras e Estados assumem a liderança.

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