O paradigma da educação

Há um novo paradigma a ser quebrado: como romper com o atual modelo de educação e aceitar a inversão do fluxo de conhecimento.

O argentino Jorge Sábato e seu estático triângulo, assim como o americano Henry Etzkowitz e o holandês Loet Leydesdorff com a dinâmica tríplice hélice demonstraram como, durante o século XX, a evolução do meio socioeconômico dos países era determinada pelas três esferas institucionais (pás da hélice): governo, empresas e universidade. 

Mas, de uns tempos para cá, é cada vez mais comum o surgimento de atividades colaborativas voluntárias – realizadas por diversão, solidariedade ou vontade de ajudar e sem nenhuma recompensa financeira – e que podem ser consideradas ações bem sucedidas, de baixo custo, executadas em pouco tempo, muito mais eficientes que soluções tradicionais e, principalmente, independentes de auxílio governamental, empresarial ou acadêmico. 

É o caso de um grupo de cientistas da Universidade de Washington (EUA) que, após dez anos buscando sem sucesso entender a estrutura molecular de enzima encontrado em macaco que convivia sem problemas com o vírus HIV, desenvolveu e publicou um jogo na internet, baseado em regras para a construção de moléculas. Em apenas dez dias, 236 mil internautas experimentaram o jogo e dois deles, sem nenhum conhecimento científico, desvendaram o enigma.

Outro exemplo é de uma companhia chinesa que passou a vender um sofisticado equipamento musical sem qualquer manual de instrução impresso. Sua inovação estava em indicar apenas um link para uma comunidade de usuários na internet, que esclarece dúvidas e soluciona os problemas de outros usuários. A praticidade e eficiência do processo aumentou consideravelmente o nível de satisfação dos clientes.

No Brasil, podemos citar o movimento Pastoral da Criança, que ensina regras básicas de higiene e alimentação para comunidades carentes, contribuindo para reduzir os altos índices de mortalidade infantil no país.

Os três exemplos refletem a ruptura com a lógica do triângulo e da tríplice hélice por não fazerem uso das estruturas acadêmica, empresarial ou governamental existentes. A evolução da matriz econômica mundial, composta pelo conjunto de atividades que formam seu Produto Interno Bruto (PIB) explica esta mudança de comportamento. 

Ao longo dos últimos 150 anos, houve uma contínua redução da participação das atividades produtoras de bens (agricultura e indústria) na economia global, afetando o mercado de trabalho. Atualmente, a maior parte do PIB mundial e dos postos de trabalho está em atividades de serviços e informação. Nos Estados Unidos, por exemplo, o número total de empregos na produção de bens físicos está praticamente estável desde 1940, enquanto em serviços aumentou mais de 450%. Tecnologia, mecanização e ganhos de produtividade fizeram com que a agricultura americana, que, em 1860, ocupava 70% da força de trabalho, atualmente ocupe cerca de 1%. Nos anos 60, o governo dos EUA, agindo proativamente, destinou uma verba de um US$ 1 trilhão para um programa de 30 anos de duração, que preparou a população para a inevitável mudança do perfil dos postos de trabalho. 

Em 1990, Jeffry Timmons alertava que “o empreendedorismo é uma revolução silenciosa, que será para o século XXI mais do que a Revolução Industrial foi para o século XX” e Peter Drucker já aconselhava os governos dos países desenvolvidos a parar de gastar dinheiro para defender suas indústrias e passar a investir em educação, a matéria-prima do futuro. Ambos haviam percebido que a Revolução Industrial – que havia aumentado o alcance físico do ser humano – tinha esgotado sua capacidade de geração e distribuição de renda, enquanto a evolução das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) – continuamente aumentando o alcance mental do ser humano – criava, e continua criando, meios socioeconômicos cada vez amplos, integrados, mais densos em conhecimento e energia e, principalmente, repletos de oportunidades inéditas que requerem novas competências e habilidades para serem reconhecidas e aproveitadas.Para captar essa energia dispersa no meio socioeconômico e transformá-la em trabalho, é preciso muito mais do que três pás de uma hélice ou os cantos de um triângulo. São necessárias múltiplas pás como nas turbinas de Itaipu, que transformam a energia contida no meio líquido (água) em energia e trabalho. No século XXI, o empreendedorismo passa a ser o grande criador das múltiplas pás para uma turbina que leva o conhecimento do meio socioeconômico para o triunvirato governo-empresas-academia, invertendo o sentido do fluxo.

Há, então, um novo paradigma a ser quebrado: como romper com o atual modelo de educação e aceitar a inversão do fluxo de conhecimento, que passa a ser determinante para garantir a evolução socioeconômica mundial. O processo de ensino-aprendizagem precisa ser reformulado. Não se deve fazer uso das tecnologias apenas para melhorar a eficiência do processo de transferência de conhecimento do professor para um número cada vez maior de alunos, ou seja, de um para muitos. O desafio passa a ser capacitar o ser humano para, por meio das tecnologias, captar, interpretar, assimilar e fazer uso do conhecimento contido no meio socioeconômico global para empreender, isto é, de muitos para um.

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