No baile com uma "senhora" incansável

Por Marcos Bardagi, gestor da área de Portfólio, Operações e Conhecimento da FNQ

 
A gestão é uma jovem senhora de pouco mais de 100 anos. Muito, muito jovem para uma ciência. Alguns acham que ela já está moribunda, que não serve mais para estes tempos pulsantes. Nós, ao contrário, achamos que a gestão está em constante vibração e atualização, transformando-se e mantendo-se ainda como o caminho para as organizações, de qualquer natureza, prosperarem. Nesta evolução permanente, vez ou outra, surgem modismos que não resistem à força dos fatos e se vaporizam em poucas voltas do relógio. Outros fenômenos são mais duradouros e moldam, reconstroem a gestão propriamente dita. Veja aqui, quais são, em nossa opinião, os movimentos que nortearão as melhores práticas organizacionais no final desta década.
 
1. Transparência, coerência
 
O maior problema do mentiroso não é a mentira em si, mas o uso de recursos mentais e esforços para sustentar a falsidade. Ser transparente não é meramente “deixar-se” ver. É mostrar-se. Ou seja, é uma pró-atividade e não simplesmente revelar quando perguntado. Ser coerente é mostrar-se verdadeiro. Com transparência aliada à coerência você libera a capacidade da organização para fazer o que importa, pois não haverá ninguém preocupado com “ser pego de calças curtas”. Isso é libertador. Em tempos de busca incessante por produtividade e eficiência, nada melhor do que se manter transparente e coerente. Consumir recursos com o falso, para quê?  
 
2. Adhocracia com agilidade
 
O termo agile sai do nicho tecnológico e invade a gestão. E a adhocracia é a melhor forma para uma organização enfrentar o chamado cenário VUCA (do inglês, para volátil, incerto, complexo e ambíguo), como se definem nossos loucos tempos. Julian Birkinshaw, no último Drucker fórum, expõe com clareza estes conceitos: “A adhocracia é flexível por definição. Não aceita o "one fits all". A organização é baseada em ações, em captura de oportunidades, resolução de problemas e obtenção de resultados. Por outro lado, agile diz respeito a evoluir a partir de uma ideia, de um protótipo e chegar a algo conclusivo.”
 
Qual a diferença para as formas de organizações mais comuns? “É o foco na ação”, complementa Julian. Em sistemas meritocráticos, discutimos e debatemos. Em sistemas burocráticos, ainda piores, seguimos regras e pedimos deferimento a instâncias superiores. Na adhocracia ágil, o que tem de ser feito é feito.
 
3. Rompimento do (falso) paradoxo Cultura Organizacional versus Diversidade
 
Vimos no Brasil dos últimos anos culturas organizacionais ditas robustas ruírem inapelavelmente. Ocorre que uma cultura organizacional não é forte pelo fato de proteger seus membros custe o que custar, nem tampouco é forte porque é mais chamativa, midiática ou mesmo efusiva.  
 
Uma cultura organizacional é forte quando se entende como um amálgama, que acolhe diferentes facetas e convive bem com isso. Explicamos: como pregar um valor como diversidade sem ser capaz de acolher o diferente pensar? E como pode aquele que pensa diferente sentir-se parte de uma cultura? Somente se esta cultura for permeável, aberta, com fissuras mesmo, onde florescem discussões sadias e de onde surgem convergências a partir da divergência. 
 
Temos a tendência de tentar entender cultura organizacional como algo sólido, indevassável, robusto e indivisível. Não é assim. É o oposto. A tendência é que o tema da cultura organizacional deixe de ser tratado como um tema de nicho e passe ao cerne das discussões estratégicas. E que programas de change management sem nenhum respaldo, por não serem suportados por uma visão holística da organização, cedam espaço para diagnósticos de cultura. 
 
4. No contrafluxo, mas para a frente
 
A esta altura do campeonato, a inovação já deixou de ser tendência, é algo consolidado como uma das pouquíssimas formas de uma organização se perenizar, gerando valor de forma sustentável, senão, a única forma. O tema agora é “o como”. Qual a forma mais eficiente de fazer a inovação frutificar? Ou é a inovação algo errático, randômico, imprevisível?  Precisamos entender que existe, sim, gestão da inovação. A inovação pode começar, claro, com uma centelha de criatividade, um lampejo de gênio, mas não prospera sem:
a) investimento prévio; 
b) prototipagem;
c) ambiente propício;
d) tolerância ao risco; 
e) gestão do conhecimento; 
f) adaptabilidade; 
g) esforço de vendas.
 
 De “a’ a “g”, só com gestão.
 
E o contrafluxo, no título deste tópico? Vamos a Schoppenhauer. A diferença entre pensar e ler, diz ele, é que, ao apenas ler, estou incutindo ideias de outros, trilhando caminhos fáceis. Desenvolver a capacidade de pensar por si próprio, nisto reside a verdadeira capacidade de criar o novo. Nada contra a leitura, pelo contrário, pois ela encurta caminhos, mas não é suficiente. Desenvolver o ato de pensar, de estruturar ideias, de procurar conexões, de elaborar suas próprias teses, requer maior esforço. Que é plenamente recompensado, pois aquilo que leio eu retenho em certa proporção, mas aquilo que eu mesmo elaborei, isso não só está em mim, isso é o próprio Eu. E organizações que aprendem, forçosamente começam com pessoas que aprendem. 
 
5. Muito home, muito office, muito desequilíbrio
 
O pensamento de Neil De Grasse-Tyson expressa muito bem o que quero transmitir aqui. Ele, ao ser perguntado sobre como mantem o work-life balance respondeu mais ou menos assim: “A evolução pressupõe movimento, work-life balance pressupõe estabilidade, alguma coisa que não muda, não se altera. Ora, o que não muda não evolui”. É isso, precisamos introspectar que o equilíbrio sempre será efêmero. É de se pensar que, se ao buscarmos este equilíbrio precário como meta não estaríamos justamente adotando o “caminho do meio”, sendo mornos? E o morno, vomitamos. Portanto, entendemos que a perseguição desenfreada por equilíbrio entre vida pessoal e trabalho é uma panaceia com cara de placebo. A equação se resolve com o olhar diferente, a atitude em relação ao problema e não o querendo eliminar.  
 
6. Gestão pública eficiente
 
A onda dos prefeitos-gestores. Ótimo. A política não resolve para o cidadão. Em última instância, política vem de polis, do grego, que significa cidade.  E o cidadão vive na polis, a cidade. Nesse sentido, os prefeitos têm de observar a política, mas, acima de tudo, devem ter uma alta capacidade de gerir recursos de forma eficiente, de planejar e de coordenar ações, delegar responsabilidades e obter comprometimento de sua equipe. Ou seja, estamos falando de qualidades administrativas por excelência, de gestão. O prefeito tem de ser um grande administrador, não resta dúvida. Nos âmbitos estadual e federal, mais políticos e estratégicos, a onda da gestão também faz-se notar, o que é saudável. Não se trata aqui de se apregoar Estado mínimo, mas sim da busca de um Estado eficiente. 
 
7. Ética sim, “robética” também 
 
Não há espaço para gestão duvidosa, perdulária e, principalmente, sem caráter. O que será cada vez mais exigido são práticas inequivocamente responsáveis em relação à sociedade como um todo. Nada de fins nobres justificando meios escusos. As organizações devem buscar seus propósitos respeitando todas as partes interessadas, minimizando externalidade negativas. Isto pode-se traduzir também como sendo a busca de uma ética empresarial impecável. A indignação de nossa sociedade fala por si neste sentido.  Mas, ao passo que, no Brasil, ainda engatinhamos nesse debate primário, já presenciamos outra emergência: a necessária discussão sobre ética na robótica. A Inteligência Artificial nos pressiona e logo precisaremos resolver este imbróglio. Quem vai incutir ética nesses novos seres? Você não achou o Watson muito arrogante naquela propaganda com o Bob Dylan? Usou um “algoritmozinho” qualquer e reduziu a música do cara a três conceitos? Pois é.  Por falar em algoritmos, um exemplo já real, os algoritmos que auxiliam em seleção de pessoal.  Se minha meta é reproduzir uma seleção de sucesso, ponho no algoritmo os dados básicos das pessoas que são parâmetros de sucesso para minha organização, certo? Então, com isso, apenas garanto que selecionarei conforme meus exemplos exitosos. Mas, e o novo? Como meu algoritmo vai me dar a tão sonhada diversidade? Pode parecer básico, mas é grave. Precisamos muito mais do que as leis de Asimov, precisamos da “Robética” e ela tem de vir logo.  
 
8. Antigo, mas novo
 
O conflito de gerações no trabalho é um tema menor diante do real desafio dos próximos anos: enfrentar o envelhecimento da força de trabalho em uma cultura onde quem tem mais de 45 anos é sênior por default, não por meritocracia, E, ao mesmo tempo, enfrentar o avanço da automatização do espaço laboral. Muitas organizações são espaços polinizados pelos incansáveis e ambiciosos trabalhadores jovens, oriundos da sopa de letrinhas X, Y, Z e outras mais, no auge de sua capacidade de execução. Tais organizações frutificaram exaurindo este modelo, mas a fonte está secando. Poucas são acolhedoras para seniores não tão ambiciosos, mas com alta capacidade de, vide tópico 4, pensar como quer Schoppenhauer. Fato é que os primeiros vão rarear e os segundos serão abundantes.  A demografia invade a gestão.
 
Nossa (não tão) velha senhora gestão adapta-se e segue resolvendo. Acredite, ela se dará muito bem com estes novos parceiros de baile. Vai acabar, como sempre, encantando sua plateia. Pois ela, como ninguém, sabe que quem não muda, dança. 
 
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